RESENHA #98: UM NOVO PAÍS DE CADA VEZ

 

AUTOR: Lewis Carroll

SINOPSE:Passados 150 anos da publicação original, a clássica história de uma menina chamada Alice, que entra em uma toca atrás de um coelho falante e cai em um mundo de fantasia, continua popular.

Se há um enigma a ser desvendado em Alice, eu diria que é o próprio livro em toda a sua construção tão fantástica e, ao mesmo tempo, cheia de nuances nonsense. Logo, há muito o que se falar, discutir e aplaudir quando o assunto é Alice no País das Maravilhas.

A minha primeira leitura de Alice foi quando eu era uma simples menina, eu não entendia muito das referências e nem sequer me passavam na cabeça as regras matemáticas e lógicas que o livro possuía. Além disso, também não me importava a construção narrativa adotada por Carroll. Eu era apenas uma menina que havia visto a animação da Disney, produzida em 1951, e que estava curiosa para saber como todo esse mundo funcionava no livro.

Eu me apaixonei por Alice, ainda pequena – muito embora eu tivesse muito medo do gato de Cheshire da animação. Desde então, eu perdi a conta de quantas vezes eu já reli a história de Carroll e não sei quantas vezes irei reler durante toda a minha vida, porque, a cada leitura, eu descubro um novo País das Maravilhas.

Sempre digo em minhas resenhas o quão importante é a nossa recepção diante de um livro e também friso diversas vezes que a arte da leitura também é a arte da releitura, como o grande Nelson Rodrigues fomenta. Alice me mostra que eu sempre preciso reler, porque sempre descubro algo novo – embora eu repita algumas ações em toda a minha leitura.

Um exemplo é a minha contínua reação com o enigma elaborado pelo Chapeleiro, aquele mesmo que não tem resposta (dentro do livro). Todas as vezes, eu paro a minha leitura, busco um caderno e desenho uma escrivaninha e um corvo. Eu fico horas olhando para os meus desenhos mal feitos me questionando: o que raios esses dois têm em comum? Todas as vezes, eu tenho uma resposta diferente para dar.

O livro Alice consegue trazer esse misto de curiosidade científica e infantil que se mesclam durante a trama. A história foi feita para crianças, mas é também feita para adultos voltarem a ser crianças. Esse é um aspecto importante que percebi no livro com essa minha última releitura, muito embora eu tenha a feito para adquirir um conhecimento específico sobre Carroll, Alice e outros elementos do nonsense carroliano, contudo, quando dei por mim, eu simplesmente voltei a ser criança.

Mas eu não sou mais a criança que era, eu sou outra. Dentro dessa mescla infantil que surgiu nos meus pensamentos e, no fim, em mim mesma, também estava lá o meu eu crítico, que continua apaixonado pelo trabalho de Carroll, mas entendendo – cada vez mais – todas as nuances da obra que outrora se chamava Alice’s Adventures Under Ground (em português: As aventuras de Alice Debaixo da Terra).

Enquanto, na minha infância, eu nem sequer compreendia ou queria entender simbolismos, enigmas e metáforas; hoje, dentro da história de Carroll, eu consigo vê-los – ao menos, um pouco mais – nitidamente.

Alice é uma menina curiosa e sonhadora, toda a narrativa se passa na mente da menina que crê ter caído em um buraco e seguido um coelho branco, afoito por estar atrasado e com vestes particulares. Tal como a personalidade dela demanda, segue aquela criatura muito diferente das demais que tinha conhecido.

Algo interessante dentro do nonsense carroliano é que até mesmo a própria queda de Alice pode ser explicada matematicamente, visto que o autor dessa obra era um matemático e professor da Universidade de Oxford, preocupado e curioso com a física que aquilo demandava, seguindo, então, a lógica atribuída a Galileu Galilei.

Há diversos aspectos dentro da obra que podem ser abordados para complementar uma leitura de Alice, contudo, o primeiro a ser comentado é a própria atribuição de Charles Lutwidge Dodgson, o autor que usa o pseudônimo Lewis Carroll, sobre Alice ser um livro para crianças.

Muitas pessoas acreditam que o fato de ser um livro destinado às crianças, renega completamente todas as ideias que possam ser fundadas a partir da leitura dessa obra. Esse é um erro comum, pois nós desvalorizamos a literatura infantil em prol de uma literatura superior e adulta, um estigma social que prioriza certas leituras em detrimento de outras por pura ignorância. Contudo, é a partir da literatura infantil que fundamentamos um crescimento e um comportamento daqueles jovens que estão em fase de crescimento. O fato de sua obra ser voltada para crianças não retira em absoluto tudo o que Alice faz e pode nos demonstrar sobre o crescimento e seus tormentos; sonho, expectativa e realidade; loucura e sanidade, etc.

Inclusive, é todo esse simbolismo dentro do nonsense que dá a Carroll um legítimo cânone na literatura mundial, pois, tentando explicar para as crianças como funciona o mundo, ele utiliza muitos recursos que outrora não eram utilizados. Carroll não precisa de justificativas para o fantástico, pois o fantástico simplesmente é maravilhoso, Carroll precisa dar explicações – mesmo que a priori sem sentido – para os problemas cotidianos.

Uma das temáticas, dentro das tantas, que mais gosto em Alice e que fez parte da minha vida foi o crescimento. O fato de Alice, a personagem, crescer e diminuir doze vezes não é gratuito, como também não é gratuito o livro ter doze capítulos. Muitos estudiosos fazem diversas teorias a respeito de por que doze, para mim, no entanto, doze representa a quantidade de meses no ano – muito embora o segundo livro de Alice se passe seis meses depois – e eles simbolizam a própria passagem do tempo, que é tão citado – por exemplo – no capítulo do chá com o Chapeleiro.

O tempo é um divisor de águas na vida de Alice Liddell, a musa da história, e Lewis Carroll, como era também das outras crianças. Logo, não é de se estranhar que a temática do crescimento da jovem Alice e também da passagem de tempo sejam tão importantes dentro da narrativa e sejam citados diversas vezes.

Alice está crescendo, mas ainda não sabe quem é e, talvez, nem o que deseja. Muitas crianças passam por uma fase em que não entendem o que é crescer, divididas entre o desejo de serem mais velhas e espelharem seus pais; e o desejo de se manterem no colo de seus parentes mais queridos, seguras e protegidas, conhecendo aquele espaço como conhecem as próprias mãos. Logo, não é de se estranhar a transição contínua da protagonista entre crescer e diminuir até achar um ponto ideal, um ponto para chamar de seu e entender como tudo aquilo funcionava.

Contudo, ainda que tenha entendido como aquilo funcionava, não necessariamente tinha entendido aquilo em si mesma, por conta disso, as perguntas como “quem é você” surgem, por exemplo, da Lagarta – que é a personagem que lhe responde como chegar ao tamanho tão desejado – e “para onde quer ir” do gato de Cheshire, que tanto pergunta, mas nada de fato responde.

Nós adultos, às vezes, temos dúvidas a respeito de para onde queremos ir, imagine uma menina inventiva e sonhadora com o mundo pela frente? Alice tinha tantas possibilidades a sua frente que seria difícil definir quem era ou até quem poderia ser, tanto é que existem passagens e passagens no livro que atribuem a ela a falta de conhecimento de si própria, como acreditar que era outra pessoa.

Além de também aproveitar a questão do crescimento e da falta de conhecimento que nós temos sobre nós mesmos – entre outros temas –, Lewis Carroll se aproveita das múltiplas formas de poesia e narrativa que pode colocar em seu texto. Como um exemplo claro disso, ele utiliza a poesia concreta a partir da história do Camundongo, fazendo com que possamos visualmente perceber a trama por detrás daquela história e o resultado: o próprio camundongo.

O próprio texto carroliano é muito flexível e de fácil leitura, embora muitas das piadas internas para os membros da Universidade de Oxford acabem passando e nem sequer percebemos, porém o que não faltam são passagens a serem trabalhadas, enigmas a serem desvendados e ideias a serem investidas quando falamos sobre Alice. Ler Alice é entrar no País das Maravilhas, seja o dela ou o nosso. Mas qual deles? Claro, isso é um enigma.

 

REFERÊNCIA

CARROLL, Lewis. Alice. Introdução e notas de Martin Gardner. Ilustrações de John Tenniel. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.