RESENHA #92: ESPELHO DE REALIDADES

 

AUTORAS:  Cara Delevingne e Rowan Coleman

SINOPSE: Naomi, Rose, Leo e Red são adolescentes enfrentando aquela fase em que se relacionar no colégio é tão difícil quanto encarar os próprios problemas. Red tem uma mãe alcoólatra e um pai ausente; o irmão de Leo está na prisão; Rose usa sexo e drogas para mascarar traumas antigos e Naomi se esconde atrás de peruca e maquiagem pesada.
Quatro adolescentes tão diferentes viram melhores amigos quando são obrigados a formar uma banda. O que era uma tarefa chata vira a famosa e popular Mirror, Mirror. Através da música, eles encontram um caminho para encarar o mundo de outra forma. Mas tudo desmorona quando Naomi some misteriosamente e é encontrada, dias depois, entre a vida e a morte. O acidente desestrutura a banda e, consequentemente, a vida de todos. A sólida relação de amizade que eles achavam estar construindo tinha uma rachadura, e tudo o que restam são dúvidas e vazios. O que aconteceu com Naomi? Foi um acidente ou um ataque? Por que ela fugiria e deixaria a banda para trás? Por que esconderia segredos dos seus melhores amigos? Para desvendar o mistério por trás dessa história, Red e os amigos entram em uma investigação que vai desenterrar seus próprios segredos obscuros e fazê-los confrontar a diferença entre o que eles realmente são de verdade e a imagem que passam para o mundo.

Você fala como se fosse fácil, como se fosse preto no branco, mas as coisas não são assim.

 

Antes da Mirror, Mirror, Red, Rose, Leo e Naomi não pareciam ter muitos motivos para desejar o dia seguinte. No entanto, a partir do momento em que o professor de música deles juntou-os em grupo e praticamente obrigou-os a começar uma banda, tudo mudou. De repente, os excluídos pertenciam a algo: à banda e, também, uns aos outros. Eram melhores amigos. Finalmente, a vida andava nos eixos tanto quanto era possível, dadas as circunstâncias de vida de cada um.

Ao menos, era o que parecia.

No entanto, Naomi desaparece e, meses depois, reaparece à beira da morte. Então, toda aquela frágil estabilidade que haviam construído juntos começa, lentamente, a ruir.

Para ser honesta, apesar de estar curiosa com relação ao livro, fui com zero expectativas para a leitura. Esperava mais uma típica história de adolescentes problemáticos, nada comparado ao relato cru que encontrei em algumas cenas, ao mesmo tempo, tão próximas e tão distantes que chegavam a doer o coração. Mais de uma vez, senti crescer em mim o desejo impossível de proteger Red do mundo horrível que se fechava sobre sua cabeça.

Entretanto, por mais que tenha sentido carinho por Red, com certeza, a minha personagem favorita do livro todo foi Ash. Não é segredo para ninguém que eu simplesmente adoro personagens deslocados ou badass. A questão de Ash não é o fato de ela conseguir ser os dois ao mesmo tempo e sim, o fato de ela ser os dois ao mesmo tempo de forma tão peculiar que não poderia ser ninguém senão ela mesma.

Talvez, o maior mérito da obra é a forma com que a relação confusamente simples de Red e Ash é tecida. A conexão cresce de forma tão bizarra e natural, que, no fim, a sensação é de que as coisas não poderiam ter tomado outro além daquele oferecido pelas autoras.

Todavia, não são os casais o foco do livro, mas a amizade. Para ser mais específica, a narrativa trata sobre os elos que sustentam a amizade e o quanto eles suportam ter sua força e resistência medidas. Quanto podemos puxar uma corda até que ela se arrebente? Essa é a grande questão de Jogo de Espelhos. No momento em que Naomi desaparece, a questão cerne é a própria natureza da amizade, a quantidade de confiança e entrega exigida por ela. O quanto de nós mesmos entregamos ao outro a partir do momento em que ele se torna mais do que um conhecido ou um colega.

O mistério em torno do desaparecimento de Naomi, o qual pensei que seria uma questão completamente secundária, surpreendeu-me de forma bastante positiva. O desenvolvimento dado pelas autoras, aliado ao jogo investigativo de pistas que se somam e cuja descoberta é acompanhada de perto pelos leitores, acabando por surpreendê-lo junto aos personagens, funcionou bem no conjunto da obra. Chega a ser irônico, pois o suspense acabou desempenhando uma função semelhante à do alívio cômico quando comparado às realidade pesadas de Red, Leo, Rose e Naomi.

Red é aquela que mais podemos acompanhar de perto, pois é a narradora da história. Contudo, como todos se encontram bastante envolvidos na vida uns dos outros, acabamos adentrando nos dramas de cada um. Isso não significa uma conexão com todos da mesma forma: algumas verdades nos falam mais intensamente do que outras. Mas, toda vez que lia, sentia-me, de alguma forma, emocionalmente cansada.

Antes de completar a leitura, li algumas resenhas que criticavam o fechamento dado à obra, considerando a resolução simplista e óbvia demais. No entanto, considerando a totalidade do apresentado, julgo que foi um fechamento importante. Digo importante porque se trata de uma realidade à qual a sociedade escolheu cegar-se por um longo tempo e, por isso, precisa ser escancarada o maior número de vezes possível.

Na verdade, a obra inteira das autoras é uma espécie de tapa na cara, tornando óbvios, isso sim, os preconceitos e cegueiras convencionais, os quais nos atemos sem sequer perceber. Hoje em dia, isso é, mais do que nunca, essencial. Precisamos de um espelho que nos obrigue a reconhecer o pior de nós mesmos. Talvez assim saiamos do lugar.

 

REFERÊNCIA

DELEVIGNE, Cara, COLEMAN, Rowan. Jogo de Espelhos. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.