RESENHA #78: A SUCESSÃO DOS OBSTÁCULOS

 

AUTORA: Erin Beaty

SINOPSE: Sage Fowler abandona seu posto como aprendiz de casamenteira e se envolve em uma nova missão secreta ao lado do capitão Alex Quinn no segundo volume da série O Beijo Traiçoeiro. Depois de se provar uma espiã habilidosa e uma casamenteira estrategista, Sage Fowler passou a ocupar uma posição confortável na alta sociedade, dando aulas para as princesas do reino de Demora. Quando surge a oportunidade de participar de uma nova missão secreta, porém, Sage quer aproveitar a chance para servir ao seu reino mais uma vez — e ficar mais próxima de seu noivo, o capitão Alexander Quinn. Alex não fica nada feliz com a ideia, já que está determinado a proteger a namorada de qualquer perigo. A insistência de Sage em fazer parte da missão faz com que eles se desentendam cada vez mais e, quando um conflito com um reino vizinho resulta em uma tragédia, os dois acabam separados. Para completar a missão de Alex — e a sua própria —, Sage precisará contar com a ajuda de aliados inesperados para sobreviver em um território inimigo e salvar o reino de Demora mais uma vez.

O segundo livro da série O Beijo Traiçoeiro, ao contrário do primeiro – o qual já resenhamos –, não traz nenhuma surpresa ou suspense comedido para nos deixar surpresos. Dessa vez, ao menos, eu não subestimei o livro e nem mesmo o seu enredo, o que pode ter ocasionado o fato de nada parecer surpreendente e novo, pelo contrário, soou mais clichê do que nunca quanto às armadilhas, táticas e cenas finais.

Entretanto, há coisas nesse livro que surpreenderiam os romancistas da Globo, os quais fazem seus personagens terminarem por qualquer motivo – ou sem nenhum realmente definido – por falta de comunicação. Inclusive, confesso ter ficado muito contente por encontrar um romance sólido entre os protagonistas, que discutem posicionamentos e superam isso, o que, de fato, não é qualquer obra que faz, demonstrando a maturidade da autora quanto à construção de relacionamentos amorosos e de personagens que realmente se amam e buscam o melhor para a relação sem eliminarem os seus desejos pessoais para isso.

Claramente, no início, no noivado de Sage e Quinn nem tudo são flores, pois as discrepâncias poderiam tê-los levado para caminhos tortuosos demais para serem seguidos, porém há – do primeiro volume para cá – um amadurecimento tanto na protagonista quanto em seu par romântico, mostrando detalhes, respectivamente, da idade e humanos.

Eu gostei muitíssimo do fato de que Sage seja uma adolescente e demonstre isso a partir de suas ações precipitadas e ansiosas o tempo todo; o problema é como isso entra em confronto, de certa forma, com os seus planos mirabolantes. Estes, infelizmente, continuam sempre surgindo dela em detrimento aos outros personagens, como se a protagonista, por mais que haja reis, generais e comandantes de elite por perto, fosse mais capaz para elaborá-los. Todavia, alguns, muitas vezes, são prematuros –  soando quase como golpes de sorte – e vão sendo remendados no momento em que são executados.

Claro que isso não tira o brilhantismo das ideias dela, tanto em momentos de guerra quanto em puros momentos de estratégia, no entanto, às vezes, soa inverossímil que uma personagem tão sagaz aja como uma menina imatura em certos momentos. É compreensível que ela tenha que ter seus defeitos assimilados e fortificados nesse segundo volume por não ter o preconceito – ao grupo de mulheres – que outrora era outorgado como seu defeito narrativo. Inclusive, defeito esse tão criticado por leitores que Beaty mudou muito as noções da protagonista quanto feminilidade, o que eu confesso ter gostado muito.

A personagem, que não se importava com as peças de roupa ou os acessórios, mudou de perspectiva, embora – em parte – seja por conta de seu relacionamento com Quinn, o que me desagrada, mas é a explicação mais plausível para a mudança repentina. Entretanto, é divertido perceber como a personagem passou a enxergar outras mulheres. Personagens marcantes e fortes, acima de tudo inteligentes, são somadas à narrativa e são vistas de maneira positiva por Sage.

Elas não precisam estar em campo de batalha ou empunhando espadas para provar seu valor, como a protagonista tenta fazer; elas simplesmente mostram as suas capacidades com língua, lábia e personalidade. Eu realmente adorei o fato delas não terem de ser masculinizadas para se mostrarem independentes.

Enquanto isso, em mesma medida de defeitos e qualidades, encontramos o Capitão Quinn. Nesse segundo livro, Alexander soou muito mais humano e interessante, além disso, cai por terra – a partir da concepção da autora – a premissa de que personagens masculinos precisam ser fortes o tempo inteiro. Durante o enredo, por mais de uma vez, podemos vê-lo chorando e isso é muito significativo, até porque sempre idealizamos – e isso foi imposto a nós – que homens não devem chorar e somos nós, as mulheres, aquelas a sentirmos essa vontade.

Por conta desse detalhe, o romance, a trajetória deles como indivíduos separados soa muito mais natural e congruente com a vida real, justamente porque ele passa do personagem idealizado no primeiro para um homem com marcas da guerra e batalhas psicológicas sendo travadas dentro dele o tempo inteiro. Dessa forma, as nossas concepções de masculino como viril e inabalável são modificadas para dar espaço a um homem sensível e forte o suficiente para admitir tal, lutando pelas pessoas que lhe são caras.

Não somente os dois protagonistas são mais aprofundados nesse segundo volume, é possível encontrar essa mesma evolução em alguns personagens de Demora (não todos, infelizmente), mas, principalmente, os secundários de Casmun e um que pertence a Kimisara são levados em consideração quanto a essa questão.

Além dessa evolução, podemos encontrar algo que me chama muita a atenção na construção de um universo novo e digno de entusiasmo: os jogos políticos, linguísticos, geográficos e históricos.

A todo momento, o processo histórico e a formação de línguas são levados em consideração quanto a táticas e estratégias a serem formadas, antigos tratados são colocados em cheque e podemos ver, pouco a pouco, o enredo desvelando tradições importantes e espaços geográficos que, por si só, causam desafios. Somado a tudo isso, até a última página do livro, podemos ver as influências de personagens e jogos de poder desenfreados.

Confesso ter adorado ver obstáculos linguísticos causando problemas, tradições serem confusas e espaços fazerem ações pararem, pois soa verossímil. Entretanto, por mais que algumas vezes isso apareça, em outras, sinto que a forma como isso está sendo trabalhado e levado em consideração não é o suficiente. Algumas ações soaram rápidas demais, outras foram confusas e, de novo, encontramos o mesmo problema do primeiro livro: uma escrita leve e sem detalhes múltiplos, as descrições ainda são vagas e é possível – por conta disso – ler a obra em um par de horas.

Inclusive, devo dizer que, no primeiro, a escrita ser sem muitos detalhes me soa plausível justamente pelo plot twist. No entanto, não posso repetir como argumento plausível o mesmo para esse segundo volume, porque ele precisava de descrições mais precisas e detalhadas em outros momentos além de durante as cenas de luta, algo bem elaborado por Beaty justamente por sua formação.

Como toda obra do gênero, há defeitos que saltam aos olhos, porém podemos ignorá-los com facilidade e aproveitar uma leitura leve que traz lições comuns e importantes, principalmente sobre os efeitos de uma guerra. Não é uma obra indispensável e com uma lição única, mas é um texto divertido e interessante o suficiente para se perder um par de horas nesse universo já nem tão novo assim.

Entre todas as lições, Erin Beaty deixa uma que sobressai em relação as outras: obstáculo por obstáculo, eles servem para serem superados por nós. Somos nós que devemos manter a chama do amor, da amizade, da guerra e das relações acesa. A vida é uma sucessão de incertezas, as quais devemos seguir em frente, não importa o que houver.

 

REFERÊNCIA

 BEATY, Erin. A Missão Traiçoeira. 2 v. de O Beijo Traiçoeiro. Tradução de Guilherme Miranda. 1ª edição. São Paulo: Seguinte, 2018.