RESENHA #67: ÀS MÁSCARAS POLÍTICAS

 

AUTORA: Genevieve Cogman

SINOPSE: Irene está trabalhando como espiã em uma Londres Vitoriana, coletando importantes livros de ficção para a misteriosa Biblioteca, quando Kai é sequestrado. A origem enigmática de seu assistente significa que ele tem aliados e inimigos igualmente poderosos, e seu sequestro só pode significar uma coisa: guerra entre as forças da ordem e do caos, capaz de destruir mundos inteiros. Para manter a humanidade longe do fogo cruzado – e salvar Kai de uma morte certa –, Irene terá que fazer aliados duvidosos e viajar até as profundezas de uma Veneza repleta de magia negra e estranhas coincidências, onde é sempre Carnaval. Lá, ela precisará lutar, mentir e chantagear seres poderosos. Ou enfrentar consequências fatais.

O caminho é eterno, mas nós que andamos nele raramente somos.

 

Raras vezes, podemos dizer que o segundo volume de uma obra ou livro é melhor do que o primeiro, porém, esse definitivamente é o caso de A Cidade das Máscaras, da autora Genevieve Cogman, quando comparado com A Biblioteca Invisível.

A minha opinião a respeito do primeiro volume da saga de Cogman foi realmente positiva, mas o segundo ganhou todos os louvores e, mesmo com os erros de revisão aqui e acolá apresentados pela Editora Morro Branco, eu não pude deixar de colocar dentre as minhas melhores leituras desse ano e um dos meus livros favoritos do gênero Young adult (tradução literal: jovem adulto), que se refere à literatura voltada para jovens adultos que estão entre o universo infanto-juvenil e as obras cânones densas.

A autora soube muito bem alocar a experiência adquirida pelos personagens em A Biblioteca Invisível, as relações que foram criadas entre eles no decorrer desse período e também os perigos novos que se misturaram aos antigos sem repeti-los. Essa foi sem sombra de dúvida uma das minhas melhores experiências de aventura, ação e investigação ministradas com fantasia.

O primeiro volume, para quem desconhece, conta a história de Irene, bibliotecária que serve a Biblioteca Invisível, aliada ao seu novo aprendiz, Kai, em uma aventura em busca de um exemplar dos irmãos Grimm, mais especificamente de um dos universos alternativos disponíveis. No segundo volume, por causa da origem de seu assistente, ele é sequestrado e Irene se sente no dever de resgatá-lo.

O interessante dessa obra é o panorama de fundo político, que, embora não pareça muito evidente à primeira vista, é extremamente importante para todo o contexto, seja interracial (feéricos e dragões), seja intraracial (dragões com dragões, feéricos com feéricos) ou que envolva os bibliotecários que tentam manter o equilíbrio. Como Kai é o sequestrado, acaba ficando a cargo de Irene tomar a iniciativa de ir em busca dele, pois a família do rapaz não pode – em hipótese nenhuma – ir até o lugar que deve para salvá-lo, pois isso causaria uma guerra.

O desejo é que ocorra uma guerra, inclusive, e isso torna tudo muito interessante porque parece que estamos em um conto de fadas a todo momento, pois ela está lá para salvar o rapaz e há também um cavalo incrível, mas isso seria spoiler e não estou muito interessada em distribuí-los.

Mas por que eu falei a respeito de contos de fadas? Pois o funcionamento do mundo feérico, que é o estrelado na trama, não funciona em um padrão real e comum, mas em um padrão ficcional, em que os personagens ganham força a partir do estereótipo que apresentam. Ou seja, Cogman usa a própria formulação literária para fazer literatura e eu não posso deixar de achar isso brilhante.

Para os estudiosos dessa arte, o livro vai parecer talvez até quatro vezes mais interessante porque vemos a autora explorar e extrapolar todos os elementos narrativos enquanto vai desmiuçando e criando o seu enredo, com uma escrita leve – mas nem tanto quanto no primeiro – digna de Agatha Christie, como já mencionei na resenha de A Biblioteca Invisível.

A investigação não fica menor e nem de lado, assim como os personagens, com exceção de Bradamant, que, infelizmente, não aparece nesse livro; porém, para substituir sua presença, outros personagens aparecem e vão quebrando o maniqueísmo apresentado como possibilidade pela a autora. Não há bem e mal, mas há lados que vão se posicionando a partir de seus interesses, mesmo em um mundo que usa a lei dos contos de fadas.

Outro aspecto que continua no plano secundário é o romance, mas nessa narrativa realmente ganha mais força, ainda que não tanta, porque as ações de Irene também são movidas por seus sentimentos românticos e isso fica implícito de maneira quase explícita. Saindo do plano terciário e fazendo parte do plano de fundo, percebemos os sentimentos dos personagens, agora não ligados pelo desejo de fazer algo depois de cinco anos ou pela aparência do outro, mas por um vínculo real que foi se construindo com o tempo. E, devo acrescentar, que mesmo eu não gostando muito de cenas desencaixadas para colocar romance nas histórias, eu queria que tivesse, ainda que não fizesse muito sentido, deixando-me definitivamente arrependida e incomodada com a execução, claro, mas fã quer fanservice, ou seja, cenas dedicadas exclusivamente para saciar fãs, e não necessariamente para fazer sentido (mentira, eu realmente prefiro que ocorra no tempo certo, mas continuo querendo fanservice). Confuso, eu sei.

Esse foi um livro que eu não conseguia parar de ler, mesmo tendo as minhas responsabilidades cotidianas, qualquer instante que eu tive para lê-lo, eu o busquei com os olhos, com as mãos e a página já estava aberta. Foi uma sensação gostosa que eu não sentia há muito tempo e fiquei muito contente que Cogman pôde me proporcioná-la de novo, ainda mais em uma narrativa cujo amor dedicado aos livros parece tão equivalente ao meu.

Para quem estava preocupado com a falta de explicação do primeiro volume, o segundo nos preenche com informações muito importantes e, inclusive, transborda-nos com elas. Há uma quantidade enorme de dados coletados na narrativa, seja sobre o funcionamento do mundo, das relações políticas e sociais, da própria Biblioteca, etc. A única coisa que ainda preenche uma lacuna poderosa, mas ainda não tão explorada é a Linguagem, que realmente ganha muita força e potência.

Foi estranho ver Irene usá-la em demasia para escapar de situações nas quais, algumas vezes, ao contrário do seu padrão comum, pareceu-me que ela se envolveu por estar desesperada e apressada. Obviamente, dentro da obra, tudo tem explicação, afinal, a personagem agiu de maneira impulsiva e se colocou nesses contratempos porque realmente estava desesperada e apressada. O uso de Linguagem me pareceu muito mais intenso, forte e poderoso do que no primeiro volume e acho que Cogman deve nos dar algumas explicações a respeito disso, ainda que eu possa pensar que, pelo cargo de Irene ter subido um patamar ou dois, seu controle de Linguagem e sua capacidade de usá-la possa também ter ampliado, porém, é somente uma suspeita e não algo afirmado no livro. No próximo, muito provavelmente, deverá ter uma explicação.

O título da obra foi muito criativo e é completamente congruente com o apresentado, pois elabora a magia do Carnaval em Veneza, repleta de suas máscaras, como também as máscaras políticas que os personagens vestem tanto quanto os papéis que representam dentro da obra. Em um uso de linguagem duplo e mágico, Cogman retoma ao seu universo mais famoso e nos presenteia com sua criatividade e a sua maravilhosa Biblioteca, que ninguém vai querer ficar sem ao menos, visitar.  

 

REFERÊNCIAS

COGMAN, Genevieve. A Cidade das Máscaras. Tradução de Regiane Winarski. São Paulo: Editora Morro Branco, 2017.