AUTORA: Jenny Han
SINOPSE: Lara Jean guarda suas cartas de amor em uma caixa azul-petróleo que ganhou da mãe. Não são cartas que ela recebeu de alguém, mas que ela mesma escreveu. Uma para cada garoto que amou — cinco ao todo. São cartas sinceras, sem joguinhos nem fingimentos, repletas de coisas que Lara Jean não diria a ninguém, confissões de seus sentimentos mais profundos.
Até que um dia essas cartas secretas são misteriosamente enviadas aos destinatários, e de uma hora para outra a vida amorosa de Lara Jean sai do papel e se transforma em algo que ela não pode mais controlar.
A forma como tudo acontece é um tipo estranho de serendipidade. Como um desastre de trem em câmera lenta. Para que uma coisa dê errado de um jeito tão colossal e terrível, tudo precisa acontecer na ordem certa e no momento certo, ou, nesse caso, no momento errado.
Apesar de eu ser uma apaixonada por clichês românticos, existe um que me irrita profundamente: o da garota diferentona. Parece haver um acordo tácito entre a maioria dos escritores desse gênero, afirmando que só podem ser protagonistas aquelas meninas que não gostarem de maquiagem, não gostarem de comprar roupas, e, de preferência, não entenderem de moda. Por isso, quando Lara Jean surgiu em minha vida, eu automaticamente me apaixonei por ela. Porque ela entende de roupas, maquiagem, moda, ama comédias românticas, chora por sujar o sapato na lama e, ainda assim, é a protagonista. Ela é bonita, sabe que é bonita, e ainda assim é a protagonista.
Obrigada, Jenny Han.
Mesmo antes de conhecer Lara Jean, o enredo de Para todos os garotos que já amei me intrigava. Na adolescência, eu também tinha o costume de escrever cartas de amor para os garotos de quem gostava, então, quando li a sinopse da obra de Han pela primeira vez, fiquei me perguntando o que eu faria, como reagiria, se todas aquelas cartas extremamente comprometedoras (e até meio vergonhosas) que eu escrevi fossem entregues; mas, na época, apesar da curiosidade para ver como Lara Jean lidaria, não comprei o livro. Foi só depois de assistir à adaptação feita pela Netflix que eu finalmente decidi comprá-lo.
Gostaria de ter tomado essa decisão antes.
Graças à escrita simples e fluida de Han, terminei a leitura em poucas horas. No entanto, o curto espaço de tempo não impediu que as palavras do livro continuassem a me abraçar, mesmo agora enquanto escrevo essa resenha. Para todos os garotos que já amei é o tipo de história de amor que dá vontade de acreditar de novo. Acreditar que a vida pode ser como nos filmes. Ou melhor do que neles.
Pela sinopse, a impressão que fica é que todo o enredo está baseado no envio das cartas. No entanto, a postagem delas é apenas o gatilho que força Lara Jean a fazer algo que ela tem extrema dificuldade: viver a vida fora do papel. Romances fictícios são muito mais seguros do que os reais, algo que a nossa protagonista tem plena consciência. Por isso ela gosta de estar de fora da vida – porque o dia a dia não tem script, o que o torna quase impossível de controlar. Inclusive, controle é algo que já não estava em alta na vida de Lara Jean.
Embora seja um romance com direito a todos os melhores clichês, Para todos os garotos que já amei também é uma história sobre perdas e a maturidade que precisa vir com elas. Órfã de mãe há seis anos, Lara Jean sempre contou com o apoio de Margot, sua irmã mais velha e figura de referência, para levar a vida adiante. É claro que seu pai, tão carinhoso e presente – apesar das exigências do trabalho –, e sua irmã mais nova, a divertida Katherine (ou Kitty, para os mais íntimos), são essenciais em sua vida; mas Margot era seu verdadeiro ponto de apoio. Agora que ela está partindo para a Escócia, Lara Jean se sente perdida. É sua vez de ser a mais velha da casa, cuidar das coisas, ser forte. Porém como fazer isso quando ela mal consegue dirigir cinco minutos sem sofrer um surto de ansiedade? Se tudo que ela tenta fazer sempre parece aquém do que Margot faria?
Margot é uma das presenças do livro de que mais gostei. Eu amo quando um personagem não é unicamente x ou y, porque ninguém é uma coisa só na vida real. Depois da morte da mãe, Margot assumiu para si essa função na casa. Quando mais novas, ela e Lara Jean não se davam nem um pouco bem; mas após essa perda irreparável, as duas deixaram as diferenças de lado em nome de Kitty e do pai, para cuidar deles.
Entre as três, Margot foi sempre a mais certinha e a mais responsável. Não é à toa que, após sua partida para a Escócia, sua perfeição seja um fantasma a assombrar os passos de Lara Jean. Só que, mesmo sendo a “srta. Sem defeitos”, Margot comete erros, sofre, tem arrependimentos, é teimosa e imatura como todo mundo. Ela está tentando acertar assim como nós. Acho que foi isso que, apesar das suas chatices, fez com que eu a amasse.
A obra de Jenny Han é a perfeita ilustração do efeito borboleta: se um bater de asas aqui pode resultar em um tornado em algum outro lugar, o envio das cartas provoca uma sequência de decisões ruins. Porque, para se livrar dos questionamentos de Josh (ex-namorado de Margot e sua paixão antiga e frustrada) a respeito da estranha carta de amor que misteriosamente recebeu, Lara Jean decide contar uma pequena – tudo bem, não tão pequena – mentira. Aliás, todos nós sabemos o que acontece com as mentiras: em resumo, mais ou menos a mesma coisa que acontece com uma bola de neve rolando montanha congelada abaixo: ela termina muito maior do que começou.
Se bem que, se formos considerar quem veio de bandeja para Lara Jean nessa brincadeira toda, talvez nem tenha sido uma mentira tão ruim de fato. Afinal, quão ruim pode ser namorar de mentirinha o garoto mais cobiçado do colégio, Peter Kavinsky? Sem nenhum sentimento envolvido, não há chances de nenhuma das duas partes se machucar de verdade. Então, tudo que Lara Jean tem a fazer é fingir. Ela tem as chances e um contrato pré-estabelecido (e assinado pelas duas partes) a seu favor.
Acontece que, como os sábios já diziam, uma mentira repetida muitas vezes acaba se tornando verdade. Uma hora ou outra, a ficção acaba se confundindo com a realidade. Talvez não seja uma realidade tão ruim de se viver, basta Lara Jean vencer seu medo de se arriscar.
Peter, aliás, foi um personagem que me conquistou, mas não me convenceu. Digo isso porque, em certas situações, ele ainda parece muito preso ao passado e ao que ele representava, mesmo quando afirma que já o deixou para trás; porém, ao mesmo tempo, ele é um doce de pessoa que desperta o melhor em Lara Jean. Mesmo que de início ela o encare como alguém diferente demais, aos poucos começa a perceber que ambos têm bastante em comum e que, se ela deixar, Peter pode ser muito mais do que só um garoto bonito.
Ainda que seja apenas o primeiro livro de uma trilogia, Para todos os garotos que já amei é um mundo de sentimentos por si só. Construindo uma protagonista com receios e desejos comuns à grande parte de nós, Jenny Han nos envolve em uma história que é, simultaneamente, o mesmo e o novo.
Uma leitura que é como se apaixonar. Sempre como se fosse a primeira vez.
REFERÊNCIAS
HAN, Jenny. Para todos os garotos que já amei. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015.
Escrevo porque, no fim, serei a soma das minhas palavras.