AUTOR: H. G. Wells
SINOPSE: Os habitantes da pacata Iping têm toda razão de não conseguirem falar sobre outra coisa. O desconhecido que se hospedou na pensão local está sempre coberto da cabeça aos pés, com o rosto inteiramente envolto em bandagens. Além disso, chegou trazendo um verdadeiro laboratório portátil e um rastro de mistério, que aumenta ainda mais quando crimes começam a acontecer e quando se descobre que o homem é… invisível!
Em A República, Platão nos conta a história de um homem que achou um anel e ficou invisível, conhecido como “anel de Giges”. Esse homem começa a fazer coisas que não deveria, inclusive, ver sua rainha nua. Utilizando a sua invisibilidade, Giges descobre vantagens e desvantagens, até mesmo os seus limites como ser humano. Nisso, pode-se levantar a pergunta filosófica: o que você faria se fosse invisível?
A primeira referência que você pode pensar é Senhor dos Anéis, afinal, Giges tem um anel. Mas eu acho que podemos ir um pouco mais longe, já que esse questionamento filosófico permeia a obra de H. G. Wells, O Homem Invisível.
O romance científico e cômico do escritor britânico se passa em uma cidade interiorana da Inglaterra. Sendo assim, ela é real, ou seja, há uma perspectiva de verossimilhança; e, ao mesmo tempo, ao ser do interior, afloram-se duas questões muito importantes: a ignorância científica e o preconceito contra o desconhecido. Não menos importante, o texto é in media res, o que significa dizer que começa do meio. Nós acompanhamos o protagonista depois de sua transformação. Assim, essa história não é sobre ele ser invisível, mas como, quando e por qual razão isso aconteceu.
Inclusive, vale destacar que, para além da contextualização filosófica sobre a invisibilidade, o texto também vai trazer críticas muito interessantes ao racismo (albinismo); ao machismo estrutural e à percepção do feminino; à acadêmica e ao abuso de poder por parte dos docentes; também vai tratar sobre a solidão do indivíduo marginalizado e como ele se comporta por conta disso.
O protagonista passa por dois tipos de invisibilidade: uma anterior ao recurso científico; e uma posterior. Essa anterior vai demarcar como a Inglaterra de Wells se comporta e até que ponto um homem pode ser levado, através do conhecimento, pela sede de poder.
O protagonista tem uma construção interessantíssima que fica no subtexto e no pouco que conhecemos. Sua história é partilhada com um igual, o que mostra o elitismo social e científico da época.
Os atos do personagem principal não podem ser justificados, já que é rude e grosseiro mesmo com quem tem empatia (ainda que essa empatia seja disponibilizada somente quando o personagem é pagante). No entanto, Wells consegue, através desse romance, nos explicar as frustrações de quem está à margem da sociedade e que a sua forma de se comportar tem muito mais a ver com a forma que o mundo trata do que com ele mesmo.
A edição lida foi a da editora Zahar, cuja conta com capa dura, excelente capa e uma ótima tradução do Thiago Lins e do Rodrigo Lacerda. As notas são excelentes e a apresentação e referências originais da obra também nos guiam (lembrando que há diversos spoilers na apresentação).
REFERÊNCIA
WELLS, H. G. O Homem Invisível: edição comentada. Tradução de Alexandre Barbosa de Souza e Rodrigo Lacerda. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
Viciada em livros, fanática por animes e escandalosa assistindo filmes.