RESENHA #232: CARAS DA HISTÓRIA

AUTOR: Alexandre Dumas
SINOPSE: Um jovem de 20 anos, proveniente da Gasconha, D’Artagnan, vai a Paris com o intuito de se tornar membro do corpo de elite dos guardas do rei, os mosqueteiros do Rei. Chegando lá, após acontecimentos similares, ele conhece três mosqueteiros chamados “os inseparáveis”: Athos, Porthos e Aramis.

Na infância, ao conhecermos histórias de aventura e mistério que nos empolgam, sempre buscamos interpretar ou rever inúmeras vezes seus personagens. Por isso, não é estranho vermos reinventado o ideal dos mosqueteiros, seja através de um filme da Barbie ou de diferentes adaptações, tão famosos graças à obra de Alexandre Dumas, Os três mosqueteiros.

Os mosqueteiros, uma companhia de elite do rei cujo intuito era ser a guarda pessoal, surgiram no governo de Henrique IV. Seu nome se deve ao mosquete, uma arma de fogo, porém eles utilizavam também a rapieira, uma espécie de espada comprida. Eram um grupo de filhos de nobres e de soldados consagrados que podiam ascender socialmente através do seu título. Da mesma forma que na obra de Dumas, os mosqueteiros, além do título, também tinham prestígio e um treinamento diferenciado, sendo refinados tanto na espada quanto nos traquejos sociais da corte. D’Artagnan, o protagonista dessa narrativa, é o exemplo perfeito de candidato, tanto pela idade quanto pelo renome do pai e até sua origem de nascença.

Como ele, há diversos personagens históricos na obra, por conta disso, Os três mosqueteiros é caracterizado como romance histórico, enquanto foca em muitas cenas cômicas e de ação (quase como um romance de cavalaria) ao mesmo tempo em que utiliza o período histórico de Luís XIII como roupagem para criticar o absolutismo. Sua narrativa, como ocorre em O conde de Monte Cristo, é ágil e própria para o entretenimento, com muitas reviravoltas e personagens caricaturizados. Isso se deve, sobretudo, porque a história era voltada para as grandes massas através da publicação de folhetim, como ocorre com David Copperfield, de Charles Dickens, por exemplo.

Durante o romance, o cenário se centra sobretudo nos anos 1625 até 1628, momento durante o qual ocorre o Cerco de La Rochelle, um lugar na França em que os huguenotes tinham privilégios religiosos e uma composição política própria consolidados por reis anteriores. No entanto, em sua proposta absolutista – muito diferente dos ideais franceses da época de Dumas –, vê-se a ascensão da soberania do rei com ajuda de Richelieu, o cardeal que fez de tudo para que houvesse a centralização do poder na França.

Por conta disso, há, dentro da perspectiva da obra, diferente da histórica, uma percepção de traição por parte de Richelieu, até porque, de fato, as guardas do rei e do cardeal realmente se enfrentavam nas ruas como apresentado por Dumas, até a proibição do rei entrar em vigor. Dessa maneira, o cardeal, por mais que tenha sido leal, é visto de forma antagônica no presente de Maquet, quem elaborou a parte histórica, e Dumas, aquele que teria escrito o romance. 

A narrativa conta com duas grandes partes, a segunda trata sobre o Cerco de La Rochelle e todas as críticas ao absolutismo e a religião; ao passo em que a primeira se centra em Ana da Áustria e seu possível caso amoroso com o Duque de Buckingham.

Vale destacar que a relação entre Ana e Luís XIII foi muito afetada, na historiografia como na obra de Dumas, pela presença da mãe de Luís e de Richelieu, que era contra à dinastia dos Habsburgos (Casa d’Áustria, família de Ana). No entanto, Dumas sempre apresenta o estereótipo feminino demarcado entre a bela esposa do lar e a mulher vil e sedutora, sem um meio termo entre as duas. Dessa forma, Ana é redimida durante o título de Dumas como uma vítima dos desejos ingleses. Afinal, há entre França e Inglaterra uma rivalidade histórica desde a Guerra dos Cem Anos.

Assim, enquanto a narrativa de Dumas vitimiza Ana da Áustria (e de fato não é possível comprovar esse caso amoroso na vida real), ele traz como personagem maquiavélica e vilanesca Milady, uma condessa que usa sua beleza em prol dos seus objetivos. Dessa forma, Dumas mais uma vez transforma a mulher, mesmo que seja uma espiã do cardeal e seja ele quem tenha a maior quantidade de benefícios, em uma figura terrível. Não menos importante, destaca que toda a inteligência de Constance está no espectro do masculino, pois, para o autor, uma mulher não poderia ter a capacidade de raciocínio própria.

Em contraponto a personagem de Milady, malévola em sua conduta, há os mosqueteiros que, por mais que abusem do próximo, são vistos de maneira positiva, inclusive, qualquer característica escusa é desculpada durante o desenvolvimento da trama como “parte da época”. Aramis, mesmo com sua devoção à religião, é um mulherengo; Phortos com sua beleza, usa as mulheres ao seu bel prazer para ganhos financeiros; Athos, com o melhor background, é um beberrão que foge do seu passado. Não menos importante, D’Artagnan representa a juventude e os seus impulsos e, de forma inverossímil, desde o início é superior aos seus companheiros.

Assim como ocorre em romances de cavalaria, Alexandre Dumas usa e abusa de cenas de ação para compor o seu texto. É uma obra incrível que tem como tema principal a sociedade francesa e a amizade/companheirismo desses quatro personagens. Inclusive, o título em si já carrega o tom irônico do narrador, afinal, são quatro e não três mosqueteiros.

A edição comentada e ilustrada da Zahar é belíssima, contando com diversas gravuras originais e um texto muito bem traduzido por parte de André Teles e Rodrigo Lacerda. Com capa dura, nós veremos a cena icônica dos quatro erguendo suas ramieiras na capa. Essa é a primeira parte da trilogia Capa e Espada, os próximos dois volumes são Vinte anos depois e O visconde de Bragelone.

REFERÊNCIA

DUMAS, Alexandre. Os três mosqueteiros. Tradução, apresentação e notas de André Telles e Rodrigo Lacerda. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.