RESENHA #199: À MULHER ESTRANGEIRA

AUTOR: Eurípides
SINOPSE: Após ajudar Jasão a conquistar o velocino de ouro, Medeia é traída pelo marido, que a deixa para se casar com a filha do rei de Corinto. A desonra é agravada quando ela e os filhos são expulsos do reino, e Medeia vê seu amor se transformar no mais terrível desejo de vingança ― uma vingança que exige a aniquilação absoluta de seus inimigos e para a qual ela se servirá de seus poderes mágicos.

Durante um dos períodos tiranos na Grécia Antiga, uma das manifestações mais importantes que se teve conhecimento foi o teatro. O teatro clássico, através das tragédias, esboçou parte da linha de pensamento daquela sociedade, pois era obrigatória a presença da população (não só dos seus cidadãos, mas das mulheres e escravos também).

Alguns tragediógrafos marcaram essa sociedade e continuam, através do legado encontrado, a nos marcar até hoje. Assim, numa tríade, Ésquilo e Sófocles, muito mais premiados, foram precursores daquele que considero o melhor dentre eles: Eurípides. Diferente dos demais, Eurípides, tendo vivido e combatido numa guerra do povo helênico – atenienses versus espartanos –, foi capaz de capitar a importância do estrangeiro e do feminino.

Muito se especula sobre a vida do autor, mas é inegável que suas obras representam aqueles que nunca tiveram chance de ter voz dentro de uma sociedade xenofóbica que era a Grécia Clássica como um todo, isto fica claro em suas peças, como Medeia.

Baseada em um mito, Medeia é considerada por especialistas como uma “tragédia matrimonial burguesa”, pois, fala sobre a relação conjugal arbitrária da Antiguidade, da mesma maneira que dá voz a figuras femininas e de classe baixa, como a ama e o escravo. Para além disso, é uma peça que retrata as diferenças entre homem e mulher de tal maneira que nunca se teve acesso antes.

A mulher, incapaz de servir a si mesma, é obrigada a sempre servir um lar e um marido que não necessariamente a valorizam. Por conta disso, veremos a personagem protagonista ser enlaçada ao que, na Antiguidade, define os heróis: a hýbris. Também traduzido como desmedida, esse termo se refere aos limites humanos impostos pelos deuses e que os heróis são os únicos a ultrapassá-los. Contudo, ao passar dessa margem, sofrem consequências.

Não obstante, Eurípides irá criticar também o sofismo. O sofista, no período clássico, era um indivíduo que buscava falar bem, mas não necessariamente com conteúdo, uma das maiores críticas de Platão, inclusive. Essa característica estará entrelaçada a um dos grandes heróis gregos: Jasão. Um homem que, ao se aproveitar das habilidades mágicas de uma mulher, subiu na vida e a abandonou por riquezas e possibilidades na cidade que jamais uma mulher como Medeia seria capaz de proporcioná-lo.

Assim, sem personagens bons, mas demasiadamente humanos, Medeia é capaz de nos informar sobre as condições da mulher, principalmente, da mulher estrangeira na Antiguidade. Para além disso, mostra o desespero e a desmedida obtida em nome da paixão, da fama e da honra, em que um herói, cada vez mais heroico, torna-se cada vez menos humano.

Essencialmente trágica, Medeia traz, pela primeira vez, o que conhecemos como Deus ex machina; uma mulher estrangeira, capaz de mostrar a força do feminino como nenhuma helênica seria, jamais teria um final possível se não fosse a interferência dos deuses.

A edição de bolso da Zahar traz a tradução de Mário da Gama Kury, bem como um bom texto de apoio de Adriana Silva Duarte. Com capa dura, a editora optou acertadamente por trazer uma arte que combina estilo narrativo e o próprio enredo.

REFERÊNCIA

EURÍPIDES. Medeia. Tradução de Mário da Gama Kury. Apresentação de Adriana da Silva Duarte. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.