AUTORA: Charlotte Brontë
SINOPSE: Jane Eyre conheceu o sofrimento ainda pequena, na casa da tia que a criou e na austera Lowood Institution onde foi educada. Desde cedo mostrou sua natureza firme e independente e assim ela se manteve por toda a vida: ao abandonar os tormentos de Lowood e se empregar como governanta em Thornfield Hall; ao descobrir o amor mas, com ele, um terrível segredo; ao decidir partir e, depois, recomeçar.
Ao pensarmos em feminismo, devemos considerar a sua primeira premissa: igualdade de direitos e deveres para os sexos. Assim, dizer isso significa que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos para fazer e desejar todas as coisas, da mesma forma que precisam ter os mesmos deveres. Um não deve se sobressair diante do outro. Contudo, embora a obra questione esses parâmetros, Jane Eyre não é feminista, mas precursora.
Ao definir a obra, e não a personagem, como precursora, entendo que pode soar confuso, porém, durante as páginas, duas coisas me fazem pensar que esse livro é precursor e nada mais: levantar as diferenças que existem entre homens e mulheres; e o fato de que a personagem Jane Eyre não quer mudar isso. Identificar as mazelas sociais faz parte do pensamento feminista, não querer mudá-las e se abster, foge da proposta.
Diferente de figuras como Mary Wollstonecraft, mãe de Mary Shelley, Charlotte Brontë prezava e era muito conectada ao seu lado religioso, fazendo com que a moral e os bons costumes prevalecessem diante das situações (cuja religião prediz que a mulher deve obedecer ao homem). Entretanto, algo positivo da obra e o que a faz ser precursora – diferente da personagem – é que a irmã Brontë tenta fazer com que a protagonista e seu par romântico sejam equivalentes em poder financeiro e físico no decorrer das páginas. Diferente de Jane Austen, a escritora não queria que a solução para a mulher fosse o matrimônio.
Dessa maneira, a crítica ao patriarcalismo, bem como a colonização se faz presente. Muito embora denote a privação do feminino, essa obra traz certa romantização de relacionamentos abusivos e/ou tóxicos. Contudo, deve-se considerar o período em que Jane Eyre foi escrita e que, nessa época, tais atitudes não eram vistas como nocivas, mas partes do cotidiano e que, muito provavelmente, essa romantização era parte da crítica da escritora.
Ao considerar a sociedade, a narrativa traz críticas impecáveis quanto a hipocrisia, problemas de classe social e a desvalorização da educação, principalmente, das professoras e preceptoras. Por ter um cunho religioso forte, o estilo gótico e sombrio que permeia algumas situações, cenários ou falas combina perfeitamente bem.
Ainda que tenha um teor sobrenatural em algumas passagens, Jane Eyre é extremamente verossímil. Esse fato se deve, sobretudo, porque Jane também é Charlotte. Ao intitular a obra como autobiografia, a escritora não dá só voz a personagem, mas a si mesma, já que muitas das situações são similares a de sua vida. Através de certa carga dramática, a autora é capaz de enrredar o leitor e fazê-lo ter empatia pela protagonista.
Também é necessário destacar que Jane Eyre possui muitas passagens descritivas, principalmente relacionadas à natureza, tanto pelo estilo quanto porque a protagonista – e narradora – é uma desenhista. Assim, até mesmo através da construção do texto, a irmã Brontë é capaz de demonstrar quem é sua personagem. Não menos importante, a obra traz a dualidade do feminino entre a razão e a loucura, através do contraponto entre Jane e Bertha e dos valores sociais da época.
A edição da Zahar conta com a tradução de Adriana Lisboa, o que considero uma excelente tradução. As notas de Gambarotto, ao contrário de outros clássicos da linha editorial, tratam mais de referências a Shakespeare, Paraíso Perdido e a Bíblia do que de relações socioculturais da época, bem como a apresentação de Pellegrino é simples. O padrão da edição segue a linha Clássicos Zahar, tanto na diagramação quanto no material. O mais impactante e charmoso da edição é a arte da capa, que é capaz de transmitir a principal crítica da obra através dos detalhes.
REFERÊNCIA
BRONTË, Charlotte. Jane Eyre: uma autobiografia: edição comentada e ilustrada. Tradução de Adriana Lisboa; apresentação de Antonia Pellegrino; notas de Bruno Gambarotto. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
Viciada em livros, fanática por animes e escandalosa assistindo filmes.