RESENHA #158: GERAÇÕES DE ESTRELAS

AUTORA: Virginie Grimaldi
SINOPSE: Anna tem 37 anos, está separada do marido e as dívidas não param de aumentar. Ela se desdobra para manter o trabalho como garçonete em um restaurante e sustentar as filhas, Chloé e Lily, com quem encontra apenas no café da manhã.
Chloé tem 17 anos. Uma adolescente cheia de sonhos prestes a desistir deles. É por meio de seu blog que vamos conhecendo melhor seus planos e desilusões. Lily, 12 anos, está com problemas na escola e o único a saber disso é Marcel, seu diário, e seu ratinho, batizado com o mesmo nome do pai, Mathias, que abandonou o barco quando ela tinha 5 anos.
Quando Anna se dá conta de que suas filhas não estão bem, ela toma uma decisão inesperada: levá-las em um motorhome, rumo aos países da Escandinávia, para ver a Aurora Boreal.

Em tempos de pandemia, viajar pela literatura me pareceu a solução ideal. Como não podia ir eu mesma para diferentes lugares, escritores me trouxeram um pedaço não só dessas terras distantes, bem como a perspectiva que eles possuem sobre elas.

Um dos prazeres que tive foi conhecer, através da perspectiva de Virginie Grimaldi, a região escandinava. A Escandinávia não é muito retratada na literatura, principalmente americana, mas tive o prazer de fazer mais uma viagem para longe através de suas palavras e também de suas personagens.

Assim, essa região abrange, de maneira restrita, a Dinamarca, a Noruega e a Suécia, porém, a autora nos mostra a Escandinávia no sentido mais amplo, trazendo experiências também da Finlândia, Ilhas Faroé e Islândia. Somado a conhecer esses lugares através de pontos turísticos, a autora nos informa sobre hábitos culturais, culinária e também sobre a paisagem (disponíveis no Google Earth).

Contando com essa complementaridade visual, a obra ganha uma proposta muito interessante: a viagem simbólica e a literal. Enquanto as personagens fazem a viagem em si, colocando o pé na estrada, há uma viagem complementar simbólica, a qual modifica as três protagonistas: Anna, Chloé e Lily.

Enquanto experienciam uma viagem para fora do país, as três personagens conhecem a si mesmas e umas às outras. Essas relações construídas no livro mostram algumas diferenças entre gerações e maturidade, por exemplo, o quanto Chloé não possui amor próprio, parte da fase da adolescência que rompe com a conexão paternal; Lily se sente abandonada, no seu egocentrismo infantil; e, não menos importante, Anna está perdida, porque todas as expectativas sociais em relação ao matrimônio deram errado.

A falta de uma família estruturada acaba criando raízes em ambas as filhas de Anna, justamente porque toda criança em formação precisa de um elo parental, algo que não ocorre, pois, o pai está distante e a mãe trabalha todo o tempo para sustentá-las. Dessa forma, Grimaldi nos mostra como é excessiva a cobrança da presença de Anna e de todas as mulheres obrigadas a uma dupla jornada.

Numa narrativa dividida em três pontos de vista, podemos observar como a autora se preocupa em criar personalidades singulares para as personagens através da própria construção do texto e das suas dificuldades em relação à vida, muito embora tenham problemas similares. Para exemplificar, temos Anna e Chloé passando por diferentes inseguranças; Lily e Chloé sentem-se abandonadas. Com isso, Grimaldi traz, de maneira bem sensível, diversos temas caros, como violência doméstica, machismo, bullying, problemas psicológicos, autismo, etc.

Infelizmente, a autora somente pincela algum dos problemas. Contudo, esse fato se deve a tentativa de manter a história leve, através do apelo cômico de Lily e as situações constrangedoras no decorrer da viagem. Somado a esse pequeno problema explicável, a autora tenta trazer um plot twist pouco convincente. No entanto, nenhum desses problemas estraga a maravilhosa experiência que é conhecer a Escandinávia.

De uma sensibilidade ímpar, Tempo de reacender estrelas é uma comovente história sobre família, maternidade, sacrifício, idealização, bem como reconhecimento pessoal e conflito de gerações.

A diagramação apresentada pela editora Gutenberg é excelente, bem como traz uma capa extremamente delicada e bonita. A tradução de Julia da Rosa Simões conta com poucos erros, os quais não atrapalham durante a leitura.

REFERÊNCIA

GRIMALDI, Virginie. Tempo de reacender estrelas. Tradução de Julia da Rosa Simões. 1ª ed. São Paulo: Gutenberg, 2020.