RESENHA #153: O DESEJO DA HUMANIDADE

AUTOR: Bram Stoker
SINOPSE: De um lado o conde Drácula – o mais famoso vampiro da literatura – e sua legião crescente de mortos-vivos. De outro, um grupo unido e decidido a caçá-lo: Jonathan e Mina Harker, o médico holandês Van Helsing e seus amigos. Romance epistolar ágil e bem-construído, esse livro enredará também você nessa dramática corrida contra o tempo.

Clássicos da literatura assustam muitas pessoas. Não pelo seu conteúdo, mas pelo simples fato de serem clássicos. Há aqueles que se louvam por lê-los, bem como os que fogem porque acreditam que são chatos.

Drácula, por sua vez, pode vir a assustar por outros motivos. Com uma escrita fluida e cinematográfica, essa obra se imortalizou como um clássico gótico e de terror por conta, principalmente, da sua acessibilidade e verossimilhança. Usar esse termo aristotélico significa dizer que a história elaborada por Bram Stoker é tão plausível que causa espanto

O autor começa a trama dizendo que os fatos ocorreram e só nomes foram trocados. Para aumentar a sensação de veracidade, o autor traz uma narrativa epistolar (o que significa dizer que ele apelou para “documentos” e não, uma história linear de personagem). Usando da moderna taquigrafia e fonógrafo, o autor acaba contrapondo até mesmo no processo narrativo o futuro tecnológico e o passado supersticioso. Esse tema é bem caro dentro da obra, perpassando várias dualidades presentes no fim de século da Era Vitoriana.

Stoker, como outros autores, apropria-se da dualidade moral desse período em que há uma intensa mudança por conta da revolução científica e industrial. Assim, ele contrapõe: o lugar do estrangeiro e do cidadão; a cultura do dominador e o dominado; o desejo e a obrigação; o natural e o sobrenatural; etc.

Dentre todos esses temas, acredito que o que mais pode vir a tocar em Drácula é o fato de que o silêncio do personagem sobrenatural ressoa na cultura de apropriação e dominação da Inglaterra – lugar no qual o estrangeiro é silenciado enquanto é a voz do britânico que ressoa, tal como a modelagem narrativa. Além disso, é interessante pontuar que Drácula pouco aparece, sendo o temor que o vampiro causa o verdadeiro protagonista da história.

Ele, também, sem reflexo é aquele que apresenta e representa o desejo dos homens, mas, principalmente, o das mulheres. Dentro de uma sociedade que retrai a sexualidade feminina e a impõe como negativa, por conta de uma cultura patriarcal e cristã, Stoker traz um “vilão” que tenta libertar o feminino e, assim, acabar com todos os padrões que inibem os seus desejos.

Drácula é uma narrativa intensa e, embora no passado tenha sido aterrorizante por diversos motivos, hoje podemos pressupor que sua caracterização mudou. Atualmente, a magnum opus de Stoker tornou-se um terror psicológico. Sem muito sangue ou violência direta, segue um padrão em que o medo do desconhecido é a fonte de todos os males da humanidade.

Mesmo que a humanidade seja o problema.

A edição comentada do Clássicos Zahar traz um conteúdo conciso, material de qualidade e diagramação excelente. A apresentação e a tradução de Alexandre Barbosa é primorosa e faz com que o leitor consiga sentir os aspectos aterrorizantes da escrita de Stoker. 

REFERÊNCIA

STOKER, Bram. Drácula. Tradução de Alexandre Barbosa de Souza. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.