RESENHA #135: QUESTÃO DE PERSPECTIVA

AUTOR: Lori Gottlieb
SINOPSE: De modo geral, buscamos a ajuda de um terapeuta para melhor compreender as angústias, os medos, a culpa ou quaisquer outros sentimentos que nos causam desconforto e sofrimento. Mas quantos de nós já paramos para perguntar: o terapeuta está imune à gama de questões que ele auxilia seus pacientes a dirimir e superar, dia após dia? A autora best-seller e terapeuta Lori Gottlieb nos mostra que a resposta a essa pergunta traz revelações surpreendentes.
Quando ela se vê emocionalmente incapaz de gerenciar uma situação que perturba sua vida, uma amiga lhe faz uma sugestão: talvez você deva conversar com alguém.
Combinando histórias reunidas a partir de sua rica trajetória como terapeuta (distribuídas entre quatro personagens inesquecíveis) à sua própria experiência como paciente, Lori nos oferece um relato afetuoso, leve e comovente sobre a universalidade de nossas perguntas e ansiedades, e joga luz sobre o que há de mais misterioso em nós, afirmando nossa capacidade de mudar nossas vidas.
Uma jornada emocionante de autodescoberta, uma homenagem à natureza humana e um lembrete sobre a importância de sermos ouvidos, mas também de sabermos ouvir. Um livro sobre a importância dos encontros, dos afetos e da coragem de todos os que partimos para a aventura do autoconhecimento.

A vida é uma questão de perspectiva, você já percebeu isso? Quando conversamos com um casal de amigos sobre a noite anterior em que passaram o tempo todo praticamente colados, as versões das histórias obviamente vão divergir. Não de propósito, mas porque, na vida, todos temos uma perspectiva.

Essa perspectiva nos leva a achar alguns livros melhores do que outros, embora todos possam discordar de nossas opiniões; pode nos levar a consagrar um restaurante três estrelas como melhor do que qualquer um com cinco; também pode nos levar a fazer terapia, porque, afinal, nossas crenças e experiências afetaram quem somos – e tudo o que vivemos afeta e muito a nossa saúde mental. Por isso, devemos conversar com alguém e, de preferência, com uma pessoa que seja um especialista no que está fazendo.

Lori Gottlieb, autora da obra, além de escritora é terapeuta. Mas o mais interessante de Talvez você deva conversar com alguém é que, além de terapeuta, ela foi paciente de um e narra essa experiência. Embora seja uma prática normal no meio de psicólogos e psiquiatras, é um fato consumado que as pessoas acreditam que terapeutas não recorrerem a consultas também. São seres de luz e, no final das contas, é por isso que eles conseguem falar da vida dos outros.

Mas o livro de Gottlieb mostra que não, porque todos somos humanos com perspectivas a respeito da vida, por conta disso, somos moldados pelos acontecimentos e indivíduos que nos cercam. Não conseguimos – quando é conosco – ver o panorama geral e, por causa disso, é muito mais fácil aconselhar o problema do outro do que resolver o nosso. Com um terapeuta, não é diferente; e esse é o melhor lado da narrativa de Gottlieb: nós a vemos auxiliando os outros e, ao mesmo tempo, sendo auxiliada por alguém.

Assim, durante os capítulos, vemos intercaladas as histórias dos pacientes de Gottlieb e a própria vida da escritora. Nesse meio tempo, ela tenta descobrir qual é a sua grande questão: por que ela se incomoda tanto com a perda de seu namorado e considera que metade da sua vida acabou? Seria por conta do machismo social que nos define pelo nosso relacionamento? Ou algo mais profundo?

O ponto chave do livro é se comunicar com o público leigo de maneira descontraída e mostrar por que razões a terapia é importante, afinal, em seu sentido etimológico, terapia significa cuidado, tratamento de doentes. E nós precisamos desse cuidado, porque um dano psíquico nos afeta tanto – ou se bobear, muito mais – do que um físico. Ir a terapia não é sinônimo de estar louco ou desocupado, mas sim um processo de autodescoberta e autoconhecimento quanto a sua perspectiva de ver o mundo e de ser recepcionado por ele.

Levantando questões pertinentes sobre a nossa humanidade, a autora ensina conceitos da área, bem como explica o funcionamento de todo o processo terapêutico para o paciente e para o profissional. Em um texto fluído e com personalidades marcantes, Lori cria uma narrativa cativante, que – em sua linearidade – faz muito sentido, já que o texto todo perpassa pelas descobertas do luto e também da vida, demarcando tanto as passagens de evolução da autora-personagem como de seus pacientes.

Tal obra é recomendada para todos os públicos, mas, em especial e essencialmente, para terapeutas e seus pacientes. É um livro muito bem elaborado e com excelente tradução da Elisa Nazarian.

Por isso, minha sugestão é: pensa se, talvez, você não deva conversar com alguém. Ah, e lembre-se: toda história tem a sua perspectiva e há um panorama muito maior por aí afora.

REFERÊNCIA

GOTTLIEB, Lori. Talvez você deva conversar com alguém: uma terapeuta, o terapeuta dela e a vida de todos nós. Tradução de Elisa Nazarian. 1ª ed. São Paulo: Vestígio, 2020.