RESENHA #128: HOMEM BOM OU MAU?

AUTOR: William Golding
SINOPSE: Durante a Segunda Guerra Mundial, um avião cai numa ilha deserta, e seus únicos sobreviventes são um grupo de meninos. Liderados por Ralph, eles procuram se organizar enquanto esperam um possível resgate. Mas aos poucos esses garotos aparentemente inocentes transformam a ilha numa visceral disputa pelo poder, e sua selvageria rasga a fina superfície da civilidade.

Ralph chorou pelo fim da inocência, pela escuridão
do coração humano e pela queda no ar do verdadeiro e sábio amigo.

Nós somos bons ou maus por natureza? Essa é uma questão que permeia muitas obras de cunho literário e filósofos, como Rosseau ou Hobbes. Entre ambos, há de se convir que existem duas possibilidades: nós somos bons, mas a sociedade nos corrompe; nós somos maus, a sociedade nos controla.

Quem nunca ouviu falar na frase de que “o homem é o lobo do homem”? Com certeza, em alguma rede social ela já apareceu para você e a maioria das pessoas – acertadamente – sempre a citam quando falam de O Senhor das Moscas, livro de William Golding vencedor do Nobel de literatura.

A constância da frase pode ser explicada pela referência ao filósofo, já que ambos compartilham a ideia de que a sociedade controla a violência humana. Ao vivermos num coletivo que pressupõe regras e, principalmente, punições, entendemos que é necessário seguir modelos. De acordo com os autores, isso explica porque o ser humano primitivo não retorna ao cerne social.

Golding em sua narrativa, magistralmente, trabalha crianças. O fato é assustador, porque vemos a infância perdida, a dor da inocência deixada de lado e a crueza violenta com que os meninos vão se desenvolvendo. É terrível, principalmente, por serem crianças, bem como uma escolha acertada. Dizê-lo requer pensar em dois princípios: o primeiro é que ainda são egoístas, tendo a si mesmos mais como centro do que os outros (não que adultos não se centrem em si mesmos, porém, a infância propicia o olhar para o eu, como pontua Freud); o segundo é porque os dogmas sociais ainda não se enraizaram por completo.

Dessa maneira, a narrativa de Golding ganha a naturalidade necessária para se executar e, de certa forma, executar uma sentença a nós mesmos, competindo significativamente com diversos simbolismos encontrados na obra, seja pelo título ou por elementos, como a fogueira, a concha e outros.

No princípio, já no título, encontramos Senhor das Moscas, referência religiosa ao Belzebu – uma das figuras que caracterizariam o diabo na mitologia bíblica – tanto quanto a ilha, inclusive, afirmada no decorrer da narrativa, como paraíso, assimilando-se a noção do lugar primevo da raça humana, em que Adão e Eva ficavam. Outro elemento é a presença do bicho-serpente, mais uma vez, o temor a outra figura que se associa a Lúcifer.

Deve-se entender que a religião é um dos pilares da sociedade, principalmente, em períodos de guerra e pós-guerra, em que nós nos dedicamos a achar explicações inexplicáveis para as coisas e procurar conforto por conta de perdas e problemas. Assim, a obra de Golding trata a religião a partir da presença desses elementos, bem como através de Simon, um dos meninos que simbolizam a crença, a religiosidade e é considerado um personagem diferente dos demais, quase como uma analogia às relações construídas pela religião.

Outros elementos que se contrapõem e são essenciais a narrativa são a concha e o porco, mais uma vez, podendo denotar as relações construídas através da religião, mas, dessa vez, mescladas com política. De acordo com o Dicionário de Símbolos, a concha sempre tem uma simbologia positiva, significando prosperidade e fertilidade – relacionadas à Afrodite –, podendo se associar à morte (da mudança de geração); o porco, por sua vez, é apresentado como negativo pela sujeira, simbolizando o egoísmo, a voracidade, a ignorância e até se relaciona, mais de uma vez, ao diabo em passagens bíblicas. 

   Entretanto, como mencionado, não somente de crença e religiosidade que O Senhor das Moscas ganha importância, mas também pelo seu embate político. É interessante observar os polos de civilidade e barbárie competindo espaço e poder, denotados pela presença das figuras de Ralph e Porquinho (Piggy) contra Jack e Roger.

Por exemplo, a fogueira é o símbolo da evolução humana, porque é no momento em que o fogo surge que o homem consegue se proteger da escuridão, dos animais e desenvolver as noções civilizatórias; em contrapartida, as feições pintadas representam – no senso comum do período – uma não-civilidade relacionada a selvageria. Ambos os elementos são contrastantes, porque um é o desejo de Ralph de voltar para a civilização e o outro é a máscara de Jack como líder caçador, que anseia pelo porco, pela caça sem se importar com o retorno para casa.

Os dois, como líderes, simbolizam por si sistemas políticos tanto quanto seus aliados: democracia através de Ralph, aliado à ciência de Porquinho versus o autoritarismo totalitário de Jack acomunado com a opressão ditatorial de Roger. Todos os personagens, dessa forma, propiciam leituras múltiplas em que religião e política se discutem.

Assim, não podemos deixar de debatê-las e entender como nos fundamentam e regulam, já que a natureza do homem é ambígua, dividida entre opiniões filosóficas que divergem entre si. Ela pode ser má ou pode ser boa, mas, com toda certeza, para o bem ou para o mal, é essencialmente egoísta.

REFERÊNCIAS

CHEVALIER, Jean. GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2017.
GOLDING, William. O senhor das Moscas. Tradução de Geraldo Galvão Ferraz. Apresentação de Santiago Nazarian. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.