RESENHA #117: QUEM SOMOS NÓS

AUTOR: J P Delaney
SINOPSE: É preciso responder a uma série de perguntas, passar por um criterioso processo de seleção e se comprometer a seguir inúmeras regras para morar no nº 1 da Folgate Street, uma casa linda e minimalista, obra-prima da arquitetura em Londres. Mas há um preço a se pagar para viver no lugar perfeito. Mesmo em condições tão peculiares, a casa atrai inúmeros interessados, entre eles Jane, uma mulher que, depois de uma terrível perda, busca um ponto de recomeço.
Jane é incapaz de resistir aos encantos da casa, mas pouco depois de se mudar descobre a morte trágica da inquilina anterior. Há muitos segredos por trás daquelas paredes claras e imaculadas. Com tantas regras a cumprir, tantos fatos estranhos acontecendo ao seu redor e uma sensação constante de estar sendo observada, o que parecia um ambiente tranquilo na verdade se mostra ameaçador.
Enquanto tenta descobrir quem era aquela mulher que habitou o mesmo espaço que o seu, Jane vê sua vida se entrelaçar à da outra garota e sente que precisa se apressar para descobrir a verdade ou corre o risco de ter o mesmo destino.

E é narcisista achar que nós
vamos mudar a natureza fundamental do outro.
Só podemos mudar nós mesmos. 

Gosto de livros que me fazem pensar por horas depois de eu tê-los acabado. Quem era ela é exatamente assim. Comecei a ler a obra de Delaney sem ter sequer lido a sua sinopse, queria que tudo fosse um mistério tal como o nome parecia prometer. Tive uma grata surpresa.

No livro, acompanhamos duas mulheres em tempos diferentes: no passado, Emma; no presente, Jane. Embora distantes no tempo, ambas estão conectadas pela casa em que decidem morar. Projetado por um arquiteto bastante peculiar, a número 1 da Folgate Street é uma casa minimalista na qual qualquer pessoa adoraria morar, exceto por uma questão peculiar: ela vem acompanhada de regras, no plural – e são várias. Quem pensa que elas são o único preço a se pagar, está bastante enganado. Antes fossem…

Emma viveu a realidade na pele; agora, chegou a vez de Jane. Duas mulheres machucadas pela vida, em seu momento mais frágil, veem naquela casa insólita uma oportunidade de mudança, de superação. Mas será que as esperanças valem os riscos? Será que aquele ambiente aparentemente tão seguro é capaz de salvá-las?

Fazia tempo que eu não ficava tão ávida numa leitura. Depois de ter começado o livro, não fui capaz de dormir até chegar a sua última página. A narrativa é tão fluida e os acontecimentos tão vertiginosos que o tempo simplesmente pareceu estar suspenso enquanto eu avançava até seu final. Eu me esqueci de comer e, em alguns pontos, até mesmo da realidade a minha volta. O livro simplesmente me absorveu.

O que eu mais gostei na obra de J P Delaney foi que as reviravoltas são muitas, frequentes, mas não óbvias. Mais de uma vez, eu me peguei pensando: “caramba, como eu não fui capaz de imaginar isso?”. É claro que o foco narrativo ajuda muito: todos os capítulos são narrados em primeira pessoa – no passado, por Emma; no presente, por Jane –, de forma que dispomos apenas do ponto de vista de duas narradoras não confiáveis.

No entanto, o ponto positivo tem sua contraparte negativa: em sua preocupação de surpreender o tempo todo, o autor acaba pecando nas descrições e mesmo na plausibilidade de certas cenas (ainda não sei bem o que pensar da vida de Emma). Há perguntas que o enredo deixará sem resposta, o problema é que, nesse livro, isso não é necessariamente positivo. Na ânsia de surpreender, Delaney esquece de explicar: e o gato? E o ladrão? E as ameaças? O detetive? Para onde vai tudo isso?

Ainda assim, Quem era ela é um livro que com certeza merece ser lido, não só pela capacidade de sedução da trama, a qual me fez virar a noite, mas por abordar  temáticas importantes e apresentar personagens cujas personalidades não são jamais preto no branco. Ciúme, abuso, mentira, traição, aborto… tudo isso será encontrado em maior ou menor medida na trama e em seus personagens.

Ao final, tenho certeza de que você ficará como eu: pensando. Não com a ilusão de ter lido algo perfeito, mas com a ciência de ter mergulhado em algo obscuro, perturbado e assustadoramente real. Logo, logo, talvez até cedo demais, estará se perguntando quanto de Emma, Simon, Jane, Edward, Saul e Deon há em cada um de nós…

REFERÊNCIA

DELANEY, J. P. Quem era ela. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017.