DICA #09: FIGURAS DE LINGUAGEM

 

No nosso último texto – aquele sobre crase – um bebê fictício nasceu. Então, nada mais justo do que darmos um nome a ele. Considerando que a falecida avó do neném se chamava Zeugma, o avô sugeriu que o nome fosse Zeugma Anacoluto da Silva. Mas o pai discordou completamente. Imagine a pobre criança, que tipo de nome é Anacoluto, afinal? Não, não, o pai tinha certeza de que o nome da criança devia ser Pleonasmo Polissíndeto, se fosse menino; mas, como tinha nascido menina, ela se chamaria Metonímia Hipérbole. A mãe, perdida no meio daquela confusão, só tinha certeza de que sua menininha se chamaria Metáfora Elipse, porque as metáforas sempre tornavam tudo mais lindo.

Soa como conversa de louco para você? Pois e se eu lhe disser que todos esses nomes saíram da gramática e que, certamente, você já os ouviu e, muito provavelmente, estudou? Ainda parece estranho demais?

Zeugma, Anacoluto, Pleonasmo, Polissíndeto, Metonímia, Metáfora e Elipse são algumas das partes que compõem um todo chamado Figuras de linguagem, e é desse todo que falaremos hoje, ainda que brevemente.

No sentido aqui em uso, ‘figura’ (do latim ‘figura, ae’, ‘forma, figura, imagem etc’), diz respeito a “toda forma de expressão que, desviada da norma linguística, cria efeitos de expressividade”. Entretanto, nada nos impede de considerar, também, outro significado da palavra para que as coisas se tornem ainda mais claras. Se formos levar em conta que ‘figura’ pode ser, além do que já foi falado, a “representação simbólica de algo; imagem que remete a alguma coisa; símbolo”, então, podemos afirmar que usar as figuras de linguagem é suscitar ou associar imagens, de forma a expressar alguma coisa. Isso se dá pela alteração no significado corrente das palavras e expressões.

Entretanto, ainda que todas sejam denominadas figuras de linguagem, nem todas nascem da mesma forma e possuem a mesma natureza. Na verdade, existem quatro tipos. O primeiro deles é composto pelas chamadas figuras de palavra. Como o próprio nome sugere, as palavras têm papel essencial, pois é em decorrência dos seus significados – sejam aqueles presentes no dicionário ou aqueles presentes em uso – que as imagens são associadas.

Mas, antes de seguirmos em frente, é necessário deixar um aviso: Como esse texto se propõe em ser apenas uma introdução, as figuras serão apenas apresentadas em listas, não serão explicadas ainda. A única exceção serão as figuras de pensamento, que já traremos explicadas para facilitar a vida dos participantes do desafio do mês. Os outros tipos ganharão suas próprias postagens mais para frente, e elas serão linkadas nessa aqui, portanto, fiquem atentos!

 

Prosseguindo, são figuras de palavra:

 

• A metáfora (a etimologia provém da palavra metaphora, ae, ou seja, “metáfora”, do grego “metaphora, as” que significava “mudança, transposição”, por extensão na Retórica, seria “transposição do sentido próprio ao figurado, logo, metáfora”, do verbo metaphéro que, traduzido para o português, seria “transportar”) consiste na associação de uma ideia, palavra (ou imagem) em relação a outra que não lhe é comumente associada, ou, pelo menos, que não é externada em palavras. Nós já falamos sobre elas aqui. Você pode reler o texto caso isso vá lhe ajudar, e então voltar a esta postagem.

Ok, Letícia, acho que entendi metáfora. Mas e agora?

Bem, agora podemos falar os nomes das diferentes formas pelas quais as metáforas ocorrem, pois elas possuem nomes próprios e são consideradas figuras de linguagem independentes.

Comparação;

Catacrese;

• Personificação (também chamada de prosopopeia ou animismo);

• Hipérbole;

 Símbolo;

 Sinestesia;

Passadas essas sete figuras de palavra, ainda existem mais duas, que não são mais diretamente relacionadas à metáfora. São elas:

Metonímia;

E, por último, a figura de linguagem derivada da metonímia que recebe um nome próprio:

Antonomásia

Terminamos por aqui a jornada pelas figuras de palavra. Agora vamos, então, falar das figuras de pensamento.

Se no caso das figuras de palavra, a relação se dava pela transposição entre os significados (literais e não literais) no nível das palavras, no caso das figuras de pensamento, como a própria palavra faz supor, a relação se dá no nível do pensamento, dos conceitos.

 

São figuras de pensamento:

 

• A antítese (palavra que proveio do latim “antithesis“, originada do grego antithesis, que significava “oposição, resistência”) é a contraposição de conceitos opostos.

 

Quando todos são luz, ele é sombra.
Às vezes, temos o bolso cheio e o coração vazio.

 

• O paradoxo (palavra que proveio do grego “parádoksos, os, on” significava “estranho, bizarro, extraordinário”, a partir do latim, “paradōxon, i” que veio para o português) é a criação, por meio da associação de conceitos contrários, de uma imagem que foge ao ordinário, ao comum e, quiçá, ao possível. Se na antítese ocorre a contraposição, no paradoxo ocorre a reunião de conceitos opostos. O exemplo mais clássico, mas nem por isso menos válido, é o soneto de Camões:

 

“O amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente

 

Mas também podemos criar, nós mesmos, outros:

 

Ele é a luz mais sombria.
Eu vivo presa nessa tristeza alegre.

 

• O eufemismo (palavra que proveio do grego “euphemismós“, formada dos elementos eu, “ev“, que significava “bem”, “bom”; e “phemi“, usado como “palavra”) é a substituição de uma expressão considerada desagradável por outra que possa ser mais bem recebida, mais amena.

 

Seu papai virou uma estrela do céu.
(em lugar de ‘morrer’)

A gente sabia que ele não estava falando a verdade.
(em lugar de ‘estava mentindo’)

 

• A ironia (palavra que proveio do grego “eirōneía, as” que significava “ação de interrogar fingindo ignorância; dissimulação”) é a afirmação de algo com a intenção de dizer exatamente o contrário. Na fala, esse efeito de contradição é ajudado pela entonação que damos ao que dizemos.

 

Cento e trinta faltas? Você é um aluno muito presente mesmo.

Calado você é um verdadeiro poeta.

 

• A preterição (palavra que proveio do latim “praeteritio, onis” significava “ação de não mencionar no testamento”) é uma afirmação que se dá pela negação. Ou seja, é quando alguém diz algo enquanto afirma que não dirá o que está dizendo. Parece confuso? Pois fazemos isso até sem perceber, principalmente, na hora de repassar informações.

 

Não, eu não vou te contar que vi o Lucas hoje na rua. Nem que a gente se beijou.

 

• A gradação é a organização sequencial de ideias, em sentido crescente ou decrescente. Quando a organização se dá em sentido crescente, essa figura de pensamento também pode ser chamada clímax.

 

Hoje o dia foi ruim, horrível, terrível, desastroso, catastrófico.

Tirei o casaco, o vestido, as roupas íntimas e a máscara.

 

• A apóstrofe (palavra que proveio do latim “apostrophe, es“, emprestada da palavra grega “apostrophé” era o mesmo que “ação de desviar, de despertar; distração, refúgio”) é a invocação de alguém. Não, não estamos falando de demônios, embora tenhamos citado o latim. Bom, a não ser que você se disponha a invocar um. Invocar, aqui, significa chamar, dirigir-se a alguém.

 

Ó, mamãe, por que odeia tanto minha toalha molhada na cama,

Quando sabe que tua filha te ama?

 

Com a apóstrofe, concluímos a jornada pelas figuras de pensamento.

Nosso penúltimo assunto são as figuras de construção. Como o próprio nome faz supor, elas estão ligadas à forma com que o texto é construído, organizado. Representam, em geral, mudanças na forma como as frases são estruturadas.

 

São figuras de construção:

 

Elipse;

Zeugma;

Assíndeto;

Polissíndeto;

Pleonasmo;

Hipérbato;

Anáfora;

Concatenação;

Anacoluto;

• Silepse

 

Chegamos ao fim das figuras de construção. Agora, temos o último dos tipos: as figuras de som, que são as figuras de linguagem associadas à sonoridade. Elas são especialmente fortes nos poemas, porque ficam bem marcadas.

 

São figuras de som:

 

Aliteração;

Assonância;

Onomatopeia

 

Com a onomatopeia, a mais conhecida entre todas, fechamos a nossa jornada pelas figuras de linguagem. Certamente, eu tive que fazer uma seleção para escrever esse texto. Nem todas as figuras estão nessas listas, até porque algumas já caíram em desuso.

Além disso, é meu dever ressaltar que nada do que eu disse aqui é definitivo. As figuras de linguagem percorreram um longo caminho, que começa na Grécia, com Aristóteles e a Retórica; até chegar a nós nos dias de hoje. Muito do que era lá já se modificou. Outras figuras apareceram.

Cada autor de gramática classifica as figuras de uma forma diferente. Alguns sequer falam em figuras de som. Eu optei por classificá-las assim, mas, se você discorda, sinta-se completamente livre para discordar e defender sua posição. Aprender também é questionar, nunca deixe que ninguém o convença do contrário.

Toda classificação tem problemas, especialmente quando tentamos lidar com algo tão vivo quanto a língua. Por exemplo, é certo definir as metáforas como figuras de palavras e não de pensamento? As metáforas são também fruto do pensamento, afinal. Mas o que são mesmo essas figuras de pensamento? Essas são questões que ainda surgem em diversos lugares. Nós precisamos continuar pesquisando até que, um dia, talvez achemos uma resposta. Talvez nunca a achemos, mas o que importa de verdade é continuar pesquisando e refletindo.

Eu me despeço por aqui, pequeno padawan. Espero tê-lo ajudado a desvendar um pouco mais da gigantesca questão que é a língua portuguesa. Até a próxima!

 

PARA MAIS INFORMAÇÕES:
LIMA, Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. 2013. 51º edição. Rio de Janeiro: José Olympio Editora.