CRÍTICA #19: A QUEDA DO PATRIARCADO

 

SINOPSE: Baseada nas histórias em quadrinho do Archie Comics, a bruxa adolescente Sabrina ganha espaço agora no universo compartilhado de Riverdale. Aqui, essa famosa personagem ganha uma versão muito mais sombria.

 

DIRETOR: Roberto Aguirre-Sacasa (2019)
GÊNERO: Drama, Fantasia e Terror.
DISTRIBUIDOR: Netflix | EUA

Entre todas as coisas que podemos considerar boas e ruins em uma série mediana como O Mundo Sombrio de Sabrina, há, em especial, uma crítica muito forte no decorrer tanto da primeira quanto da segunda parte. Tudo é movimentado, em cada ato, para trazer o mais importante à tona: a crítica ao sistema patriarcal a que, desde os tempos bíblicos, as mulheres são obrigadas a se submeter.

Se Eva surgiu da costela de Adão, Lilith, feita do barro tal como ele, não quis ser submissa aos seus caprichos, muito embora parecesse aos olhos de Deus, o digno e o correto, de acordo com o mito. Como Epstein comenta, baseado nos textos orais do Talmude Babilônico, ela, após querer ter os mesmos direitos e prazeres de Adão, foge do Éden para longe, anjos tentam levá-la de volta, mas Lilith não aceita, tornando-se alguém que foi expulsa do jardim, muito mais do que uma fugitiva qualquer, ela fica conhecida como a “Mãe dos Demônios”. Para substitui-la e não deixar Adão sozinho, da costela dele – de maneira que torne a mulher submissa aos seus desejos – cria Eva.

Dessa forma, todo o sistema apresentado, tanto do lado divino – a partir da construção mítica – quanto do lado profano, o desejo insano de Lúcifer constantemente submeter as bruxas e a própria Lilith, é voltado para o homem, para a figura masculina que, supostamente, detém todo o poder. No entanto, a série que estrela Sabrina (Kiernan Shipka) como centro de todo o caos e ordem mostra que isso não é verdade.

Com personagens femininas marcantes, tais como Zelda (Miranda Otto), Hilda (Lucy Davis), Prudence (Tati Gabrielle) e a própria Lilith (Michelle Gomez), a série desde o primeiro capítulo possui uma pegada feminista forte, com frases marcadas para causar impacto no público. Além disso, no decorrer da temporada, cada vez mais, o machismo se escancara e as mulheres precisam lutar insistentemente contra ele e a sua estrutura tão enraizada, algumas demoram mais que outras a assimilar o que acontece, no entanto, no final, todas já parecem cientes.

Por mais que eu seja apaixonada por esse aspecto dentro de O Mundo Sombrio de Sabrina e deva ressaltar que não há uma disputa feminina por nenhum rapaz, como entre Sabrina e Roz (Jaz Sinclair), o que foge do clichê adolescente de filmes de comédia romântica comuns, além de uma sororidade latente durante toda a produção da segunda parte, não posso renegar os muitos defeitos dentro desse universo.

O primeiro ponto é algumas cenas inconsistentes com coisas já apresentadas anteriormente; o segundo pertence completamente aos efeitos especiais precários e terríveis, dignos de pena para uma série que deve ter uma verba maior para fazer coisas menos lastimáveis; o terceiro é a coloração da câmera, por mais que eu compreenda que a fotografia ajuda a dar um ar sombrio a série e os tons escuros da paleta sejam essenciais, por muitas vezes, é difícil ver o que está acontecendo em tela e isso é realmente incômodo para qualquer espectador.

Além dos aspectos mencionados, é digno de nota o fato de que há uma previsibilidade latente em cada construção de cena na segunda parte, na questão de sacrifícios, castigos e afins. Claro que não podemos tirar o mérito da construção inicial desde o primeiro capítulo dessa temporada que nos martela o que irá ocorrer e como o poder feminino irá ascender durante o decorrer dos episódios. Entretanto, ainda peca – e muito – em surpreender o público.

Ainda que existam tantos baixos na série, também há pontos altíssimos e extremamente bem trabalhos na questão da puberdade/adolescência dos personagens como nos estudos dos roteiristas na hora de montar algumas ideias do lado mágico dos cidadãos de Greendale. O dia dos namorados bruxo, por exemplo, é bem alinhado com as tradições romanas; a construção de Theo (Lachlan Watson) e a atuação da atriz são excelentes e merecem o destaque que possuem; Prudence continua incrível e com uma atuação ótima, além do seu arco ter se expandido nessa temporada por mais que ela tenha recebido menos destaque; há menos do Harvey (Ross Lynch) e mais de Nicholas Scratch (Gavin Leatherwood), o que trouxe mais ação para as cenas e para a própria protagonista.

Algumas – poucas – perguntas foram respondidas nessa segunda parte e os roteiristas abriram ainda mais dúvidas, como, por exemplo: a presença de anjos, a ascensão do inferno, o sacrifício, a queda de alguns personagens que mudaram completamente o sistema.

Tudo, claro, culpa de Sabrina, a qual continua uma personagem arrogante, digna de uma menina de dezesseis anos com poderes demais e controle de menos. No entanto, pode ser um símbolo feminista: uma menina que não desiste dos objetivos e luta para ser ouvida, porque ela é o Cara.

 

REFERÊNCIAS

AGUIRRE-SACASA, Roberto. HACK, Robert. Chilling Adventures of Sabrina. New York: Archie Horror, 2014.

EPSTEIN, I. The Babylonian Talmud: Seder Zera’im. Londres: The Soncino Press, 1978.