CRÍTICA #18: O PODER DE SER GRANDE

 

SINOPSE: Billy Batson (Asher Angel) tem apenas 14 anos de idade, mas recebeu de um antigo mago o dom de se transformar num super-herói adulto chamado Shazam (Zachary Levi). Ao gritar a palavra SHAZAM!, o adolescente se transforma nessa sua poderosa versão adulta para se divertir e testar suas habilidades. Contudo, ele precisa aprender a controlar seus poderes para enfrentar o malvado Dr. Thaddeus Sivana (Mark Strong).

 

DIRETOR: David F. Sandberg (2019)
GÊNERO: Ação e Fantasia.
DISTRIBUIDOR: Warner | EUA

Ser um super-herói é o sonho de todo menino que tem contato com o mundo dos quadrinhos, ao menos, na década de quarenta, a época da Era de Ouro, quando surgiu o personagem Capitão Marvel. Esse sonho, nos dias de hoje, reforçado pelas produções cinematográficas, não pertence mais só aos garotos, mas também às meninas, representadas pela Mulher Maravilha ou, com menos relevância do que a anterior, Mary Marvel.

Mas por que eu comecei a falar sobre uma editora rival da DC Comics quando isso é uma crítica sobre o novo filme Shazam!? Pode até ser que não tenha muito sentido para o público leigo, no entanto, a criação do protagonista, Billy Batson, não começou na editora do Batman, na verdade, fazia parte de uma concorrente, Fawcett Comics (notem o nome do colégio no filme). Entretanto, por ser considerado um plágio – um tanto descarado – do Superman, as publicações dos quadrinhos do personagem tiveram que ser encerradas e, anos mais tarde, a própria DC Comics, com os direitos dele, recuperou-o do limbo e voltou a produzir uma série focada no herói.

Embora tenha mudado de nome, o menino continuou a conversar com um mago que lhe dá poderes de diversos personagens míticos. Cada uma dessas figuras de textos antigos e pertencentes a mitos dá ao herói uma habilidade conectada a sua própria existência: Salomão (sabedoria), Hércules (força), Atlas (resistência), Zeus (magia), Aquiles (coragem) e, não menos importante – ainda que seja romano –, Mercúrio (velocidade).

Dessa maneira, podemos notar duas coisas muito importantes na trajetória dos quadrinhos de Shazam!: a primeira é como as referências da Antiguidade montam a sua narrativa, inclusive a história de seu vilão mais interessante, o Adão Negro, apropria-se do período egípcio; a segunda é como literalizar o desejo de toda criança de se tornar um herói, no entanto, para tal, deve seguir a risca os preceitos morais da sociedade vigente, mantendo-se sempre com um coração puro.

Coisa que não somente o filme dirigido por David F. Sandberg nos demonstra que é impossível, como a própria concepção do personagem em Os Novos 52, linha seguida pelas adaptações cinematográficas da Warner Bros. atualmente. Embora esse reboot, ou seja, esse reinício da editora em muitos aspectos não me agrade, particularmente, Shazam!, quanto a isso, ganha seus méritos e suas flores, porque mostra um personagem mais palpável e mais delineado do que nunca.

O filme, que estrela Asher Angel, a criança, e Zachary Levi, o herói, como as duas partes que fazem Shazam ser o que é, aproveita-se desse aspecto muito bem, demonstrando um menino que quer encontrar o seu caminho de volta para casa, ele não é bom, nem ruim, nem mesmo digno nos parâmetros exigidos pelo Mago. Mas quem seria se, tal como diz em Batman vs Superman, ninguém permanece bom no mundo? Ele é simplesmente um garoto que não sabe o que fazer com seus poderes, da mesma forma que uma criança não sabe o que é responsabilidade porque sempre alguém está cuidando das chatas burocracias da vida.

A parte mais interessante dessa dicotomia é que, quando Shazam é a criança, ele parece ser muito mais maduro do que quando ele é um herói, tornando-se extrovertido e brincalhão, já que ele não precisa ser o menino perdido de sua mãe no momento de assumir e explorar os seus poderes. Assim, o adulto se torna infantil e a criança precisa lidar com os problemas da vida, no entanto, aos poucos, no decorrer do filme, os dois vão se mesclando ao ponto de o seu lado criança e o seu lado poderoso se fundirem por completo, no momento em que seus poderes, no filme, estão no ápice.

Esse não é um filme com a carga dramática e sombria apresentada em outras adaptações cinematográficas da DC Comics, inclusive, porque o seu personagem não pede isso. A história de Billy é a narrativa de uma criança e, como tal, foi feita principalmente para o público infantil, o máximo que podemos esperar desse filme são as lições necessárias que uma criança precisa, tais quais: você é o suficiente por si mesmo; família é a coisa mais importante do mundo; com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, numa quase paródia de Homem Aranha.

Inclusive, gostaria muito de mencionar as importantes sacadas retiradas direto dos quadrinhos, como o compartilhamento do poder entre os membros da família, seguindo a moral de que ela é a coisa mais importante no mundo (tanto que metade da narrativa é a respeito da busca pela mãe do protagonista e a outra é a aceitabilidade em relação a família nova); aparição de vilões marcantes e também as conexões diretas com os outros personagens da DC Comics, dentre essas ligações, o único ponto que me incomodou foi o tigre ser de pelúcia.

Há também referências externas a filmes clássicos da década de setenta e oitenta, pontuando boa parte do tom do filme com cortes de câmera abruptos e o visual vilanesco do doutor Thaddeus Sivana (Mark Strong), com cenas pré-selecionadas e marcantes (conexões diretas e claras para que o público mais antigo as conecte e outras, diferentemente das implícitas, explícitas, como a associação – melódica e espacial – a Rocky e a frases de músicas, tipo “I believe I can fly”). 

Outro aspecto digno de nota é o contraste entre o vilão e o herói, ambos são parte de famílias desestruturadas – questão cerne do filme – e contrastam como dois lados de uma mesma moeda, no entanto, um foi influenciado pelas palavras da família, que o rejeitava, e do Mago, dizendo-o que nunca seria o suficiente. Por sua vez, Billy Batson possui uma rejeição desconhecida, apresentada somente numa idade mais avançada, e tinha pessoas que o apoiavam e o aceitavam, embora seja muito cedo para falar sobre amor quanto a sua família adotiva. O contraste entre eles é simples: a aceitação, aceitar uma criança como ela é, qualidades e defeitos, faz com que ela cresça melhor e seja ainda melhor. Essa é uma lição para os pais, muito mais do que para os pequenos.        

Shazam! não é um filme incrível, nem marcará ao ponto de fazer parte da história do cinema, no entanto, ele pode ser parte fundamental do sonho da criança e da construção de uma família saudável. Com um terceiro ato fraco, mas atuações ótimas, principalmente do vilão e dos protagonistas, Shazam! mostra mais ser um filme da Marvel do que da DC Comics (e não era para menos, não é mesmo?).

 

REFERÊNCIAS

JOHNS, G. FRANK G. Shazam! Com uma palavra mágica… Os Novos 52. DC Comics. São Paulo, Panini: 2015.

ORDWAY, J. Shazam! A origem do Capitão Marvel. São Paulo, Editora Abril: 1997.